11/09/2025

STF julga se marketplace responde por ICMS de vendedor

Por: Luiza Calegari
Fonte: Valor Econômico
O Supremo Tribunal Federal (STF) vai definir se os marketplaces podem ser
responsabilizados pelo ICMS devido por vendedores que não emitem notas
fiscais. Por unanimidade, os ministros deram repercussão geral ao tema, o
que significa que o entendimento valerá para as instâncias inferiores do
Judiciário.
O caso levado ao Supremo questiona a Lei Estadual nº 8.795, editada em 2020
pelo Rio de Janeiro, que considera os marketplaces responsáveis passivos pelo
ICMS em casos de não emissão de nota fiscal ou cumprimento de obrigações
tributárias acessórias - declarações do imposto devido.
No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), a lei foi considerada
constitucional nesse trecho. O que o Supremo terá que analisar agora é se um
Estado pode estabelecer cenários de responsabilização tributária por conta
própria, sem que haja uma lei complementar federal estabelecendo parâmetros
uniformes para todo o país.
Essa “reserva da lei complementar” está estabelecida nos artigos 146 e 155 da
Constituição Federal, que determinam que cabe à lei complementar estabelecer
normas gerais tributárias, apontando quem são os contribuintes de cada
imposto.
Para o Estado do Rio de Janeiro, a lei estadual está em harmonia com as leis
complementares que disciplinam a cobrança do ICMS: o Código Tributário
Nacional (Lei nº 5.172, de 1966) e a Lei Kandir (Lei Complementar nº 87, de
1996).
Em nota enviada ao Valor, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE-RJ) diz que
a lei estadual não prevê responsabilização “ampla e irrestrita” das plataformas,
“mas sim específica e direcionada àquelas plataformas de intermediação que
voluntariamente optem pela omissão e, consequentemente, contribuam para a
disseminação de práticas fiscais ilegais nos ambientes por elas controlados”.
“A responsabilidade somente ocorrerá nas hipóteses em que esses ambientes
virtuais tomem conhecimento de práticas infracionais ou descumpram
obrigações tributárias próprias e, ainda assim, permaneçam inertes,
contribuindo para a criação de um ambiente de sonegação fiscal virtual”, afirma
a PGE-RJ.
Por outro lado, segundo a defesa do contribuinte no processo, a cargo dos
advogados Felipe Renault e Gustavo da Gama, sócios do Renault Advogados,
o Estado não poderia ter criado essa obrigação. Além de alegar violação à
reserva da lei complementar, a defesa sustenta que a atividade praticada pelos
marketplaces é a de intermediação, e que as empresas sequer precisam ter
cadastro estadual se não tiverem estoque próprio.
“O marketplace é contribuinte apenas de ISS nas vendas que intermediar e vai
dever ICMS quando vender na sua plataforma produtos do seu estoque. Mas a
hipótese de intermediação não tem como atrair ICMS de forma alguma”, afirma
Felipe Renault.
Gustavo da Gama acrescenta que a decisão do Supremo pode ter impacto em
outros Estados que instituíram leis semelhantes São os casos do Ceará (Lei nº
16.904, de 2019), da Bahia (Lei nº 14.183, de 2019), do Mato Grosso (Lei nº
11.081, de 2020), da Paraíba (Lei nº 11.615, de 2019) e de São Paulo (Lei nº
13.918, de 2009), por exemplo.
Segundo especialistas, essa será a primeira vez que o Supremo vai analisar a
questão específica dos marketplaces. Mas, em outros processos análogos, a
jurisprudência vem sendo favorável aos contribuintes. Maurício Barros, sócio
da área tributária do Cescon Barrieu, destaca o Tema 1093, em que o STF
decidiu que a instituição da cobrança do diferencial de alíquotas (Difal) do
ICMS exigia a edição de lei complementar.
O tema também foi discutido no Tema 13 da repercussão geral, em 2011,
quando o Supremo considerou inconstitucional lei estadual que estabeleceu a
responsabilidade solidária dos sócios de empresas por dívidas junto à
Seguridade Social.
Para Barros, a decisão do STF pode ter impacto no sistema de compliance dos
marketplaces, que hoje operam de forma a evitar essa responsabilização. “As
plataformas costumam ter muito controle sobre a emissão da nota fiscal dos
vendedores, para não ter problemas”, diz.
Por outro lado, segundo Gabriel Baccarini, sócio tributarista do Cascione
Advogados, uma chancela da lei pelo Supremo terá o efeito benéfico de ampliar
o controle que essas plataformas têm sobre os vendedores. “Não se discute
aumento nem redução de tributo, mas estratégias para evitar a sonegação. Tratase
de exigir do vendedor, que atua em parceria com a plataforma, que tenha o
controle da emissão da nota fiscal. Com essa obrigação cumprida, o marketplace
não será responsabilizado”, afirma.
Em 2024, as dez maiores plataformas de marketplace do país movimentaram
cerca de R$ 321,9 bilhões, segundo o levantamento Top 300 do varejo
brasileiro, do Instituto Retail Think Tank (IRTT). O ranking é encabeçado pelo
Mercado Livre (R$ 138,9 bilhões movimentados), seguido por Magazine Luiza
(R$ 46,1 bilhões) e Shopee (R$ 40 bilhões). Se a receita viesse de uma única
empresa, e não dos milhares de vendedores que usam a plataforma, o Mercado
Livre seria o maior varejista brasileiro, segundo o instituto.